quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Esquema de aliados de Sarney teve superfaturamento de até 2.763%

Presidente da ‘comissão de licitação’ da Secretaria de Educação era gerente da empresa de filtros que fechou contrato de R$ 840 mil


Em um único contrato da Secretaria de Educação do Amapá, a Operação Mãos Limpas da Polícia Federal encontrou três fraudes grosseiras e, ao mesmo tempo, com desvio milionário do dinheiro público. O fornecimento de filtros para os alunos carentes de três escolas estaduais, dentro de um Projeto Piloto de Tratamento de Água, tinha embutido um superfaturamento de 2.763%.

Tão ilegal quanto o preço foi o processo licitatório. O presidente da “comissão de licitação” da Secretaria de Educação do Amapá, Roberto Luiz Amaral da Rocha, era também o gerente comercial da empresa Top Line, a vencedora do contrato para fornecer 200 filtros de água a três escolas estaduais.

Por causa dessa e de outras fraudes envolvendo desvio de dinheiro dos fundos federais de educação (Fundeb e Fundef), o secretário de Educação, José Adauto Bittencourt, foi preso na última sexta-feira. Ele e mais outras 17 autoridades do Amapá - como o ex-governador e o atual - estão encarcerados na Superintendência da Polícia Federal e no presídio da Papuda, em Brasília.

Gerente – Ao investigar o contrato assinado em dezembro de 2005, a PF descobriu que a compra dos filtros foi dirigida e, na prática, não houve licitação nenhuma. O mesmo Roberto da Rocha assinou um documento declarando a “inexigibilidade da licitação”. Sem revelar que era gerente comercial da Top Line, o presidente da comissão decidiu que a empresa era a única que tinha o produto para atender às exigências do projeto piloto da Secretaria de Educação



Mercado – Diante dessa suposta expertise da Top Line, o contrato para fornecer 200 filtros de água às escolas Sebastiana Lenir de Almeida, José Barroso Tostes e Torrão de Matapi, chegou à conta de R$ 840 mil. Os agentes da PF e os técnicos que assessoram as investigações acharam no mercado de Macapá pelo menos dois filtros mais baratos e também melhores para o serviço que a secretaria queria prestar: fornecer água filtrada aos alunos.

“Com o preço contratado para instalar os filtros Top Line seria possível instalar 7.272 filtros da marca Lorenzetti ou 3.948 filtros da marca 3M”. O relatório da PF mostra ainda o custo total de instalação e primeira manutenção ao final de seis meses de 200 filtros Lorenzetti custaria não mais que R$ 29.300 - o que dá, comparado ao preço do contrato de R$ 840 mil, um superfaturamento de 2.763%.

O mesmo serviço, usando os filtros fabricados pela 3M, custaria R$ 57.638 - um superfaturamento, ainda assim, de 1.357%.

Riscos – Além do superfaturamento, o laudo do Instituto Nacional de Criminalística (INC) mostra que a falta de licitação e a escolha de um filtro rudimentar, montado em uma fabriqueta de fundo de quintal, em vez de melhorar a qualidade da água consumida, colocou em risco a saúde dos alunos.

Ao avaliar as condições técnicas dos filtros Top Line, os peritos concluíram: “Surpreendente foi a constatação de que (a falta de manutenção) permitia o acúmulo de carvão ativado na saída da água para os alunos, tendo inclusive causado pigmentação em um tubo de PVC”.

Os filtros usados nas três escolas, como mostram as fotos dos laudos dos peritos, eram montados com tubos de PVC de 20mm para esgoto, tinham as vedações feitas com borracha vulcanizada, tipo pneu, dois pedaços de esponja, areia grossa e carvão ativado. “Era um aparelho feito manualmente, com materiais e ferramentas encontrados no mercado varejista”, mostra o relatório da perícia.

Em vez de ser um filtro que, na manutenção periódica, possibilitasse a simples troca da vela, a Top Line instalou nos colégios do projeto piloto um filtro que, revelaram os peritos, não tinha refil ou cartucho. “A manutenção pedia troca do filtro velho por um filtro novo”.

O problema é que os filtros não eram trocados, e os estudantes bebiam água de filtros com “areia e esponjas sujas, com o carvão ativado vazando e se acumulando na saída do bebedouro”. Até a tinta vermelha tóxica usada para pintar a parte externa foi encontrada na parte interna de alguns filtros.

Corrupção – Ao final da investigação, o inquérito concluiu: “Não resta dúvida de que a conduta da Top Line, corroborada pelo secretário de Estado da Educação, José Adauto Bitencourt, responsável pela contratação, terminou por corromper a água potável que seria destinada a estudantes carentes das escolas públicas em que os filtros foram instalados”. A PF pede que o secretário e o presidente da comissão de sindicância sejam processados por peculato (artigo 312 do Código Penal), fraude (artigo 89 da Lei de Licitações) e corrupção de água potável (artigo 271 do Código Penal).

PARA ENTENDER

A investigação que culminou na Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, identificou indícios de um esquema de desvio de recursos públicos e fraudes em licitações no governo do Amapá.

De acordo com as investigações, que começaram em agosto do ano passado, o ex-governador Waldez Góes (PDT) e o atual governador, Pedro Paulo Dias (PP), seriam os mentores do esquema. Eles e outras 16 pessoas, incluindo o presidente do Tribunal de Contas do Estado, José Júlio de Miranda, foram presos na sexta-feira e levados para Brasília.

O Ministério Público investiga as práticas de peculato, corrupção e fraudes em licitação. Na operação, deflagrada na última sexta-feira, a Polícia Federal apreendeu cinco carros de luxo e cerca de R$ 1 milhão em espécie.

(O Estado de S. Paulo)

RELAÇÃO DOS 18 PRESOS PELA PF NA ‘OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS’, NO AMAPÁ

1. Pedro Paulo Dias de Carvalho (governador, candidato pelo PP a permanecer no governo)

2. Antônio Waldez Góes da Silva (ex-governador, candidato a senador pelo PDT)

3. José Júlio de Miranda Coelho (presidente do Tribunal de Contas do Estado do Amapá)

4. Marília Brito Xavier Góes (mulher de Waldez Góes, ex-secretária de Inclusão e Mobilização Social, candidata a deputada estadual pelo PDT)

5. Aldo Alves Ferreira (secretário de Segurança Pública)

6. José Adauto Santos Bittencourt (ex-secretário de Educação)

7. Ruy Santos Carvalho (da Superintendência Federal de Agricultura).

8. José do Espírito Santo Galvão Veras (o "Zeca", presidente da Federação Amapaense de Conselhos Comunitários de Segurança Pública - Feasp)

9. Alexandre Gomes de Albuquerque (empresário, dono da Amapá Vip, empresa de vigilância)

10. Francisco Odilon Filho (empresário cearense radicado no Amapá há 30 anos; casado com Maria Lucimar Lima, prefeita do município amapaense de Calçoene)

11. Josiel Fernandes da Silva (ex-secretário estadual de Planejamento, candidato a deputado estadual pelo PP)

12. Raimundo dos Santos Cardoso (da Superintendência Federal de Agricultura)

13. Erick Janson Sobrinho de Lucena (ex-assessor do ex-deputado federal Benedito Dias (PP), irmão do governador Pedro Paulo Dias, preso na sexta; Erick já foi preso em outras duas operações da PF no Amapá - a Pororoca e a Sanguessuga)

14. Lívia Bruna de Melo

15. Karla Marfísia Góes da Costa

16. José Orlando Menezes Ferreira

17. Rui Tork de Castro

18. Laerte Silva

Acusado enriquece com contratos no Amapá

Após negócios públicos milionários, pivô de suposta fraude construiu parque aquático e comprou imóveis e carros; Para Promotoria, dono de firma de segurança, pagava 'mensalinho' a ex-secretário

Um dos pivôs dos suposto esquema de desvios de recursos públicos no Amapá, o empresário Alexandre Gomes de Albuquerque usou ganhos de sua empresa de vigilância - que mantém contratos com diversos órgãos do Estado- para prosperar como empresário, construir um parque aquático, comprar imóveis e carros de luxo.

Assim como o governador Pedro Paulo Dias (PP) e o ex-governador Waldez Góes (PDT), ele foi preso pela Polícia Federal na última sexta na Operação Mãos Limpas.

A empresa dele, a Amapá Vip, foi contratada irregularmente pela Secretaria da Educação por R$ 2,6 milhões mensais, segundo o Ministério Público Estadual, que viu superfaturamento.

Em troca, disse a Promotoria com base em depoimentos de um servidor, parte desse dinheiro voltava na forma de um "mensalinho" de até R$ 100 mil para o ex-titular da pasta Adauto Bitencourt, ex-coordenador de campanha de Góes e também preso.

De acordo com a PF, esses desvios de recursos para Educação foram o "modelo" que os investigados usaram para implantar o suposto esquema em outros órgãos.

Arrecadando milhões por mês, há pouco mais de um ano Albuquerque resolveu investir num excêntrico parque aquático, em um bairro pobre de Macapá.

Chamado, segundo o vigia do local, Amapá Park, o local foi apelidado de "Cabeção".

O motivo é que, para entrar no parque, os carros têm de passar pela "boca" de uma escultura na forma da cabeça de um leão. O parque deveria ser inaugurado após as eleições, mas a data deve adiada.

Outra fonte de lucro de Albuquerque é uma empresa chamada Delta Administração, Comércio e Serviços Ltda., que funciona no mesmo local da Amapá VIP. Segundo um funcionário da empresa de vigilância, a Delta presta "serviços gerais".

Segundo o Portal da Transparência, do governo federal, em 2009, a empresa ganhou R$ 1 milhão num programa para "erradicação da mosca da carambola".

O gestor estadual do dinheiro foi a Superintendência de Agricultura e Pecuária, que, segundo a PF, é suspeito de participar de fraudes.

Albuquerque também costuma desfilar em Macapá em carros de luxo - já foi visto numa Ferrari e numa BMW.

A empresa de segurança de Albuquerque mantinha contrato, até ao menos 31 de julho, com o próprio Ministério Público Federal do Amapá, que investiga o esquema de corrupção. Em junho, a Amapá Vip recebeu, pelo contrato, R$ 21.362, 87.

A Folha não localizou o advogado do empresário. Ele já havia afirmado que os contratos públicos são legais.

(Folha de S. Paulo

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